O estudo publicado na Current Research in Food Science, uma revista de alto fator de impacto na área de Ciência e Tecnologia de alimentos, analisou a qualidade nutricional de produtos vegetais análogos à carne e os comparou com seus correspondentes de origem animal. De acordo com a pesquisa, 80% dos produtos disponíveis no mercado brasileiro possuem boa qualidade nutricional de acordo com o indicador Nutri-Score.
Conduzido pelo time da Profa. Dra Veridiana de Rosso da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e financiado pelo The Good Food Institute Brasil (GFI Brasil), a pesquisa avaliou as informações nutricionais declaradas nos rótulos de 349 alimentos vegetais análogos à carne e 351 produtos cárneos, como hambúrgueres, almôndegas, empanados, embutidos, quibe, kaftas, salsicha, linguiça, mortadela, bacon, entre outros, no período de julho de 2022 a junho de 2023.
Para analisar a qualidade nutricional desses produtos, além das informações de rotulagem, foram utilizados diferentes indicadores, entre eles o Nutri-Score (utilizado em países europeus, como Bélgica, França, Espanha, Holanda, Suíça e Alemanha), a classificação NOVA e o Perfil Nutricional estabelecido pela RDC 429/2020 da ANVISA (chamado de Lupa).
A NOVA classifica os alimentos pelo grau de processamento e quantidade de ingredientes; o Nutri-Score avalia a presença de nutrientes desejáveis (como proteínas e fibras) e menos desejáveis (como teores de gordura saturada, açúcar, sal e alto valor energético) e a rotulagem nutricional frontal estabelecida pela Lupa da ANVISA identifica os produtos com alto teores de três nutrientes: açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio.
Principais Resultados:
Os resultados do estudo demonstraram que a qualidade nutricional dos alimentos vegetais análogos à carne foi melhor representada por indicadores como Nutri-Score e Perfil Nutricional estabelecido pela Lupa da ANVISA do que pela NOVA, uma vez que os dois primeiros são os perfis que atuam de forma mais eficiente para definir se um alimento tem boa qualidade nutricional.
NutriScore:
80% dos alimentos vegetais análogos à carne foram classificados como de boa qualidade, comparado a apenas 19% dos produtos cárneos de origem animal.
RDC 429/2020 (ANVISA) – Lupa:
69% dos alimentos vegetais análogos à carne foram considerados de boa qualidade nutricional, enquanto apenas 20% dos produtos de origem animal atingiram essa classificação.
Classificação NOVA:
Quase 92% dos produtos de origem animal foram classificados como ultraprocessados, enquanto 73% dos alimentos vegetais análogos à carne receberam essa classificação.
De acordo com a Dra. Graziele Bovi Karatay, especialista do GFI Brasil, o fato de ambos os produtos de origem animal e vegetal serem classificados como ultraprocessados, mas terem resultados diferentes nos outros indicadores de qualidade nutricional, demonstra que o conceito de ultraprocessado não representa adequadamente os atributos de qualidade nutricionais dos alimentos vegetais análogos à carne.
“Mesmo sendo classificados como ultraprocessados, em função do grau de processamento e quantidade de ingredientes, os alimentos vegetais análogos à carne se diferem nutricionalmente dos demais alimentos ultraprocessados, sejam de base vegetal ou animal. Portanto, não é adequado classificar e avaliar a qualidade nutricional dos alimentos vegetais análogos à carne da mesma forma que são classificados e avaliados os demais produtos ultraprocessados.” explica a especialista do GFI.
O estudo avaliou ainda outros dois indicadores de qualidade: (1) o modelo de perfil nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que define quando os produtos são ricos em açúcares, gorduras, gorduras saturadas, gorduras trans e sódio e é baseado nas metas de ingestão de nutrientes para a população e (2) uma classificação desenvolvida especificamente para o estudo considerando a classificação pelo Nutri-Score e NOVA.
O estudo também trouxe informações sobre os nutrientes presentes nos alimentos analisados, quanto à:
Gordura saturada, ácidos graxos e sódio:
Os resultados identificaram os valores mínimo e máximo de gordura saturada presentes nos alimentos vegetais análogos à carne e nos produtos cárneos. Para os alimentos vegetais análogos à carne o mínimo foi de 0 e o máximo de 17.5 g de gordura saturada em 100g de produto enquanto para os produtos cárneos o mínimo foi de 0 e máximo de 42 g de gordura saturada em 100g de produto.
55% dos alimentos vegetais análogos à carne utilizaram ácidos graxos insaturados como principal fonte de gordura e 22% não apresentaram nenhuma fonte de gordura.
Para os alimentos vegetais análogos à carne o mínimo foi de 0 e o máximo de 1966 mg de sódio em 100g de produto para os alimentos vegetais análogos à carne, enquanto para os produtos cárneos o mínimo foi de 0 e máximo de 7723 mg de sódio em 100g de produto.
Proteínas:
Apesar dos fabricantes comumente misturarem fontes de proteínas vegetais, a soja ainda é a mais utilizada, aparecendo em 52% das carnes vegetais como principal ingrediente proteico.
Para os alimentos vegetais análogos à carne o mínimo foi de 1 e o máximo de 53,7 g de proteína em 100g de produto, o que evidencia que existe uma variação considerável no conteúdo de proteína nos produtos cárneos plant-based (1% a 54%).
Segundo a Dra Veridiana, essa variação reforça o quanto seria oportuna a definição de uma regulamentação específica para os alimentos vegetais análogos à carne no Brasil, principalmente em relação à qualidade nutricional e ao perfil de identidade.
O mercado de produtos cárneos é bem regulamentado, e o perfil de identidade e qualidade foi recentemente revisado, principalmente no que diz respeito aos níveis mínimos de proteína exigidos para hambúrgueres de carne (15%), quibe (11%), almôndegas (12%) e presunto (16%). A definição desta regulamentação para os alimentos vegetais análogos faz parte da Agenda Regulatória 2024-25 da Anvisa e a indústria aguarda essa definição para poder balizar seus produtos.
Ainda de acordo com a pesquisadora, uma recente atualização da legislação brasileira, incluiu a exigência de um perfil específico de aminoácidos indispensáveis para o uso de alegações nutricionais proteicas (histidina: 15 mg /g de proteína; isoleucina: 30 mg/g; leucina: 59 mg/mg: lisina: 45 mg/g; metionina + cisteína: 22 mg/g, fenilalanina + tirosina: 38 mg/g, ; triptofano: 6 mg/g e valina: 39 mg/g).
Em geral, leguminosas como soja, ervilha, grão-de-bico, feijão e cereais como trigo e quinoa, que normalmente são empregados como fontes de proteína em análogos de carne no Brasil, apresentam diferentes escores de aminoácidos indispensáveis digestíveis (DIAASs). As proteínas de batata e soja são classificadas como proteínas de alta qualidade com valores médios de DIASS equivalentes a 100 e 91, respectivamente.
Além disso, uma estratégia interessante para o desenvolvimento de alimentos cárneos plant-based é que as proteínas da soja e da batata possam complementar uma ampla gama de proteínas vegetais para compensar as limitações indispensáveis dos aminoácidos. A combinação de proteína de arroz:feijão (2:1) por exemplo tem potencial para alcançar eficiência nutricional ideal quando combinada apenas com proteínas vegetais ou quando suplementada com metionina e cisteína + lisina.
Fibras:
Os produtos cárneos plant-based (mediana para análogos de hamburguer: 5,2 g/100 g e mediana para análogos de carne curada: 4,0g /100g), se destacam pelo seu conteúdo de fibras em comparação com os produtos de origem animal (mediana para hambúrguer: 0,5 g/100 g e mediana para carne curada: 0,0g /100g), que geralmente não possuem esse nutriente.
O alto teor de fibras nos alimentos vegetais é um dos principais fatores associados aos efeitos benéficos à saúde observados em consumidores com dietas veganas.
Segundo o estudo, o uso de alegações nutricionais para fibras poderia ser empregado por 68,5% dos alimentos vegetais análogos à carne, especialmente para hambúrgueres e almôndegas, atingindo 84,6% e 80,0% do total de produtos, respectivamente.
Conclusões:
Segundo a Dra. Veridiana, o estudo permite recomendar que os consumidores escolham o indicador representado pela rotulagem nutricional frontal brasileira (lupa) para escolherem os alimentos vegetais análogos à carne.
“Essa recomendação se justifica especialmente devido à excelente concordância entre este indicador e o Nutri-Score, por terem sido capazes de diferenciar efetivamente produtos com baixa qualidade nutricional. Já a NOVA, ou a denominação de ultraprocessados, não teve este mesmo desempenho, portanto não é um indicador adequado para representar os atributos de qualidade nutricional dos alimentos vegetais análogos à carne.”, conclui.
Dra. Veridiana reforça que, embora os indicadores de Qualidade Nutricional utilizados neste estudo sejam importantes para avaliar a qualidade nutricional dos produtos cárneos vegetais, eles não cobrem todos os aspectos nutricionais importantes quando se pretende substituir produtos cárneos, o que deve envolver uma abordagem multifacetada, incluindo análise de macronutrientes, avaliação sensorial e estudos de digestibilidade. Além disso, a presença de nutrientes positivos, como vitaminas B, ferro, zinco e fibras solúveis e insolúveis, e a boa qualidade proteica devem ser considerados como diferenciais de produtos cárneos vegetais nutricionalmente adequados.
“Assim, esse estudo fornece insights valiosos sobre o valor nutricional dos alimentos vegetais análogos à carne. Com a crescente adoção de dietas flexitarianas, vegetarianas e veganas, essa análise pode ajudar as indústrias a desenvolverem produtos com qualidade nutricional que os tornem cada vez mais viáveis como substitutos saudáveis para produtos cárneos e oferecer aos consumidores a possibilidade de fazer escolhas informadas e conscientes.”, afirma a gerente de Ciência e Tecnologia do GFI Brasil, Cristiana Ambiel.
“Acreditamos que os dados obtidos podem, ainda, orientar as agências reguladoras na formulação de políticas públicas na definição de parâmetros mínimos de qualidade nutricional desses produtos, nos debates que esperamos que ocorram em 2024 e 2025 entre a Anvisa, Ministério da Agricultura e o Poder Legislativo, envolvendo nas audiências públicas sobre o tema tanto a indústria de alimentos e ingredientes e sociedade civil organizada”, aponta Alexandre Cabral, vice-presidente de Políticas Públicas do GFI Brasil.
Fonte: UNIFESP
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