O mercado global de carbono movimentou um recorde de US$ 949 bilhões em 2023. No Brasil, contudo, os 3,9 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar, responsáveis por 70% dos alimentos que chegam à mesa do país, permaneceram historicamente de fora dessa equação financeira. A barreira não era a falta de capacidade de sequestrar carbono, mas sim os custos administrativos complexos e elevados para acessar um mercado até então reservado aos grandes players.
Em Mato Grosso do Sul, no entanto, essa história começa a mudar radicalmente. O Programa Agroflorestar MS – Carbono Neutro prova que a tecnologia pode, de fato, democratizar o que parecia inatingível. Coordenado pela Associação dos Produtores Orgânicos de Mato Grosso do Sul (APOMS), com suporte da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e apoio da SEMADESC, o programa ambiciona integrar cerca de 800 produtores em uma área de 2.000 hectares nos próximos anos.
O grande diferencial é uma plataforma digital que simplificou o processo de certificação de créditos. Financiada pelo Rabobank em parceria com a Plan Vivo, a plataforma ACORN (Agroforestry CRUs for the Organic Restoration of Nature) utiliza o sensoriamento remoto para medir o crescimento da biomassa vegetal nas áreas de agrofloresta. O que antes exigia auditorias caras em campo, dependentes de consultores internacionais, agora é feito por satélites. A plataforma automatiza todo o ciclo, desde a validação até a comercialização dos créditos, transformando o trabalho do pequeno agricultor em renda adicional, sem a necessidade de investimentos proibitivos.
Essa transformação tecnológica responde a uma urgência que os agricultores sentem na pele: as mudanças climáticas. Com o aumento da temperatura global em 1,5 graus Celsius e o excesso de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera — fruto da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento —, eventos extremos como secas e enchentes desafiam os ciclos tradicionais de plantio. Quem vive da terra é o primeiro a sentir o impacto e, até agora, o último a ser incluído nas soluções financeiras.
O mecanismo criado pela APOMS se encaixa perfeitamente no cenário de metas climáticas brasileiras. O país assumiu o compromisso de reduzir entre 59% e 67% das emissões de GEE até 2035 (NDC) e, em 2024, instituiu o marco regulatório com a Lei nº 15.042, que criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). É nesse contexto que os créditos de carbono, certificados negociáveis que representam a remoção de uma tonelada de dióxido de carbono, ganham centralidade.
O grande obstáculo histórico — o alto custo administrativo — está sendo superado pela tecnologia. O Programa Agroflorestar MS está, na prática, colocando a estratégia de integrar agricultores familiares em projetos de maior escala. Ao promover práticas agroecológicas e sistemas agroflorestais, o programa viabiliza o ingresso no mercado voluntário e reforça os estoques de espécies nativas, ao mesmo tempo em que incentiva a sucessão familiar.
Relevância para a COP 30
Essa experiência local tem uma relevância global inegável. Ela demonstra que a inclusão da agricultura familiar no mercado de carbono não é apenas uma questão de justiça social, mas de eficácia climática. Milhões de pequenas propriedades, quando somadas, representam um potencial gigantesco de sequestro de carbono.
A inovação de Mato Grosso do Sul terá um espaço especial na COP 30, em Belém, em novembro de 2025. Enquanto delegados de quase 200 países debatem acordos complexos, a experiência do Agroflorestar MS sugere que a solução mais transformadora pode estar na capacidade de conectar o global ao local, de fazer com que o cuidado com a terra se traduza em dignidade econômica. O mercado de carbono, quando bem estruturado e democratizado, deixa de ser um conceito abstrato para se tornar uma ferramenta concreta de transformação nas mãos de quem cultiva a terra.
Com informações do Gov.br
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