O Rio Grande do Sul, um dos maiores produtores de mel do Brasil, sofreu com o desastre climático do segundo trimestre de 2024. Mais de 20 mil colmeias foram perdidas com as chuvas intensas, inundações e deslizamentos, colocando em risco a produção de mel, a polinização de diversas culturas e a renda de milhares de famílias de apicultores e meliponicultores. Diante desse cenário, a Embrapa Meio Ambiente, por meio do projeto “Observatório de Abelhas do Brasil, com Foco no RS”, elaborou um relatório que quantifica os prejuízos e que aponta propostas para a recuperação do setor apícola e a construção de um futuro mais sustentável para a apicultura gaúcha.
De acordo com Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, o relatório é voltado para tomadores de decisão e traz os resultados do levantamento realizado pelas equipes do Observatório de Abelhas após as enchentes que atingiram o RS. Este projeto é uma iniciativa da Embrapa Meio Ambiente com o Ministério Público do RS, a Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A.) e 14 empresas do setor de insumos agrícolas.
O mapeamento documentou cerca de 21 mil colmeias perdidas em 88 municípios, o que representa 4,55% do total de colmeias no Estado, sendo que a grande maioria foi destruída imediatamente pelo desastre climático.
No entanto, do total de colmeias destruídas, 8% se perderam após as chuvas, sendo que 57% destas em razão da ausência de alimento no campo para as abelhas. A situação expôs a vulnerabilidade da apicultura e da meliponicultura diante das mudanças climáticas, com destaque para a escassez de floradas, que compromete a alimentação das abelhas, e a dificuldade dos apicultores em acessar os apiários para adotarem as medidas emergenciais em colônias remanescentes e de insumos apícolas.
Menezes acredita que, para a recuperação a curto prazo, são necessárias ações como a reposição do plantel de abelhas, o fornecimento de novas caixas e a suplementação alimentar. Em médio e longo prazos, o documento propõe a criação de linhas de crédito específicas, um seguro rural apícola e um fundo emergencial para apicultores, além de programas de capacitação técnica e fortalecimento das cooperativas, com foco na valorização comercial dos produtos apícolas.
O relatório também alerta sobre a necessidade de medidas para evitar novos desastres, como a instalação de colmeias em terrenos elevados e o plantio de espécies que ofereçam recursos florais ao longo do ano. O objetivo é tornar a apicultura mais resiliente e sustentável, contribuindo para a proteção do ecossistema e da agricultura no Estado.
A perda das colmeias foi agravada pelas condições climáticas adversas após o evento das inundações, enxurradas e deslizamentos que impediram os apicultores de acessarem seus apiários e adotarem medidas emergenciais para a proteção das abelhas remanescentes. Além disso, apicultores relataram danos severos a equipamentos e infraestruturas, além da perda de estoques de mel ainda não colhido.
Impacto das mudanças climáticas na apicultura.
As mudanças climáticas representam um dos maiores desafios globais no século 21, com impactos visíveis tanto na agricultura quanto na apicultura. Modelos climáticos indicam que, até 2050, cerca de 90% dos municípios brasileiros sofrerão com a perda de polinizadores, comprometendo seriamente a polinização de diversas culturas agrícolas. O Rio Grande do Sul, especialmente afetado por esses fenômenos climáticos extremos, figura entre os estados mais suscetíveis às perdas de polinizadores, o que pode agravar ainda mais o quadro de insegurança alimentar e econômica para milhares de famílias que dependem da apicultura como meio de subsistência.
As abelhas, especialmente a espécie Apis mellifera, desempenham um papel fundamental na polinização de culturas agrícolas em todo o mundo. Estima-se que, em 2021, existiam cerca de 90 milhões de colmeias dessa espécie no planeta, tornando-a o principal polinizador manejado na agricultura. No Brasil, o Rio Grande do Sul é o maior produtor de mel, com uma produção de 9.014 toneladas em 2022, segundo dados do IBGE. O estado também lidera o plantel de colmeias no país, com 462.363 colmeias registradas em 2023, segundo a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (SEAPI/RS).
Para Betina Blochtein, coordenadora executiva do Programa Observatório de Abelhas do Brasil, uma resposta articulada e consequente do setor apícola no Rio Grande do Sul é uma oportunidade para uma reconstrução com novas práticas para o crescimento do setor, com medidas que permitam aumentar a produtividade e a valorização dos produtos em uma apicultura mais profissionalizada e sustentável.
O relatório também aponta para a necessidade de apoio financeiro e técnico aos apicultores, incluindo o fortalecimento das cooperativas e associações, que podem facilitar o acesso a recursos, conhecimento e tecnologias inovadoras. Um ponto crucial é a criação de linhas de crédito específicas para a apicultura, além de um fundo emergencial que possa ser acionado em casos de desastres climáticos. Outro aspecto relevante é a promoção de cursos de capacitação para os apicultores, focando em práticas de manejo mais eficientes e sustentáveis, como a seleção genética e a produção de rainhas.
Ainda no âmbito das ações a médio e longo prazo, o relatório sugere o desenvolvimento de campanhas de sensibilização ambiental, tanto para o público consumidor quanto para os apicultores, destacando a importância da preservação das áreas naturais e da adoção de práticas agrícolas que protejam os polinizadores. Entre as propostas estão o plantio de espécies melíferas, a criação de sistemas de rastreabilidade para o mel produzido no estado e o combate ao comércio irregular de mel e subprodutos, que prejudica os produtores que operam dentro da legalidade.
“O desastre de 2024 deixou um alerta sobre a vulnerabilidade do setor apícola às mudanças climáticas. No entanto, as medidas propostas também apontam para uma oportunidade de transformação e fortalecimento da apicultura no Rio Grande do Sul. Com o apoio necessário, o setor pode se tornar mais resiliente e sustentável, preparado para enfrentar os desafios que o futuro climático reserva”, enfatiza Blochtein.
“A colaboração com outras entidades foi fundamental para a realização do relatório, com destaque para o levantamento de dados executado pela Federação Apícola e de Meliponicultura do Rio Grande do Sul (FARGS) e o apoio de técnicos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)”, disse Menezes.
Fonte: Embrapa
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