Um estudo realizado pela Embrapa e o Instituto Federal Goiano (IFGoiano) avaliou o impacto de sistemas de Integração Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF) recém-implantados sobre a qualidade do solo do Cerrado goiano. O trabalho evidenciou melhorias, em comparação à pastagem não cultivada, por meio de indicadores de disponibilidade de água e de aeração (processo de renovação do ar entre o solo e a atmosfera). No segundo caso, o aumento da macroporosidade do solo chegou a ser 50% superior ao do pasto-referência. Esses dois elementos são importantes, pois estão ligados à sustentabilidade para o crescimento vegetal e para a vida microbiana debaixo da terra.
Essa pesquisa foi realizada em duas fazendas-escola do IFGoiano, uma no município de Morrinhos e outra em Iporá, consideradas como representativas da região do sudoeste goiano, onde se produz cerca de 9% da safra de grãos brasileira. Os sistemas de ILPF possuíam de um a dois anos de implantação, ou seja, estavam em seu início, e compreenderam árvores de eucalipto e nativas (como baru e angico) com o cultivo, nas entre fileiras, de soja, milho e braquiária. Vacas leiteiras foram colocadas para pastejo na área da forrageira enquanto cercas elétricas protegiam o crescimento das árvores. Para efeito de comparação, levou-se em conta áreas de referência sob pastagens não cultivadas há mais de 30 anos.
Os pesquisadores fizeram a coleta de amostras de solo nas áreas dos experimentos em sete camadas diferentes de perfil do solo, em uma profundidade de até um metro. A coleta de amostras de solo até um metro em áreas com o componente arbóreo é importante, devido ao alcance das raízes das árvores nos sistemas de produção. As amostras passaram por procedimentos laboratoriais, incluindo análises estatísticas de indicadores relacionados à porosidade e propriedades físico-hídricas do solo.
Veja a entrevista com a pesquisadora Márcia Carvalho
Solos com maior retenção de água e aeração
Os resultados obtidos foram que, em Morrinhos e Iporá, a ILPF aumentou a umidade retida pelo solo, entre 0,1 milímetro e 0,7 milímetro por centímetro de solo, em comparação à área de pastagem não cultivada que era a de referência. Essa quantidade de água, aparentemente pouca, pode ser crucial para a sobrevivência das plantas durante longos períodos de seca e altas temperaturas. Em Iporá, onde baru e eucalipto foram cultivados no sistema de ILPF, o solo apresentou também maior capacidade de aeração em comparação com a área de referência. O experimento considerou a camada mais superficial do solo (até 30 centímetros de profundidade), onde essas diferenças foram mais significativas.
A pesquisadora da Embrapa Arroz e Feijão (GO) Márcia Carvalho foi uma das coordenadoras desse trabalho. Ela explica o contexto em que foram obtidos esses resultados e a diferença dos efeitos do sistema de ILPF medidos em cada um dos experimentos.
“No caso de Morrinhos, o solo da fazenda é classificado como Latossolo argiloso. Nas condições em que o sistema de ILPF foi conduzido, foram medidos maiores valores de CAD (capacidade de água disponível no solo) do que na pastagem de referência. Isso pode ser atribuído ao maior volume de microporos responsáveis pela retenção e armazenamento de água no solo. Latossolos naturalmente são ricos em agregados e microporos, mas o sistema de ILPF contribuiu para o aumento desses sítios de armazenamento de água em relação à pastagem não cultivada”, diz Carvalho.
Em Iporá, ela observa que “o experimento ocorreu em um Cambissolo, com destaque para o indicador CAS (capacidade de aeração do solo), que mede o número de poros responsáveis pela troca de oxigênio e dióxido de carbono entre a atmosfera e o solo. O CAS é diretamente proporcional à macroporosidade, que aumentou 50% no sistema de ILPF em relação ao solo do pasto-referência. Maior CAS significa maior capacidade de atender à demanda respiratória de raízes e microrganismos, o que é importante nesses solos que, apesar de arenosos, podem ter drenagem impedida, devido ao nível alto do lençol freático e formação de pedra canga, material sólido formado por minerais”, complementa.
A dinâmica da vida de raízes e microrganismos no solo está ligada a uma série de processos envolvendo a saúde do solo: a fertilidade, a absorção de nutrientes pelas plantas e a sustentabilidade agrícola, além do papel ecológico como a ciclagem de nutrientes e a decomposição de matéria orgânica, relacionadas à captura de carbono e nitrogênio da atmosfera.
A pesquisadora destaca que os experimentos conduzidos, de avaliação do impacto de curto prazo de sistemas ILPF nas características físico-hídricas de solos típicos da região Centro-Oeste do Brasil, são uma forma de acompanhar as diferenças na evolução da qualidade do solo, desde a fase inicial de implantação da integração entre cultivos, forrageiras e espécies arbóreas. Por isso, ela considera importante a continuidade de monitoramento ao longo do tempo.
Biodiversidade contribui para mitigar efeitos de mudanças climáticas
O conhecimento em torno da ILPF pressupõe que sistemas de integração permitem modelos sustentáveis de produção de grãos, forrageiras, carne e leite, ao mesmo tempo em que aumenta a renda no campo. A ILPF possibilita a recuperação de solos degradados e a preservação de recursos naturais, como a água. Reduz ainda a pressão para abertura de novas áreas no meio rural.
Além da ILPF, existem outros tipos de sistemas de integração que contribuem para uma produção mais sustentável. De acordo com Carvalho, os sistemas agroflorestais são também um tipo de produção agrícola, em que a introdução de árvores contribui para regular a temperatura local e manter a umidade e a água no solo, “fatores essenciais para o enfrentamento do longo período de seca e ondas de calor cada vez mais frequentes no Cerrado”, afirma.
A pesquisadora cita também os chamados sistemas agroecológicos e participativos como opções de produção sustentável, pois possibilitam simultaneamente construir e resgatar conhecimentos e tecnologias para adaptação em nível local de comunidades e, portanto, as parcerias e a ação coletiva são uma marca da diversidade nesses sistemas de produção. Nesse caso, “custos e ganhos econômicos e ecológicos andam lado a lado, no sentido de que há sempre uma compensação a ser feita”, acrescenta.
Ela explica ainda que sistemas agroecológicos de produção estão alinhados aos objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) e à Agenda 2030, por meio da busca por formas de produção e consumo mais sustentáveis, combate à fome e enfrentamento às mudanças do clima. Com relação a essa última, Carvalho menciona que a biodiversidade, a perenidade e a estabilidade de produção nos sistemas agroecológicos ao longo do tempo são estratégias-chave para o enfrentamento de incertezas geradas pelos extremos climáticos, além de contribuírem para aumentar a segurança alimentar.
Com respeito ao âmbito das mudanças climáticas, ela pondera que “são respostas naturais e biofísicas do planeta Terra às atividades humanas. O desmatamento para o cultivo, a queima de combustíveis fósseis para transporte, mecanização e produção de insumos ou bens de consumo industrializados são importantes fontes de emissão de gases de efeito estufa (GEE). O aquecimento global é inevitável e irreversível numa escala de tempo secular, mas podemos nos adaptar aos efeitos da mudança do clima em níveis regional e local. Precisamos implementar as estratégias baseadas no conhecimento e tecnologias da pesquisa e experiência agronômica, especialmente em países tropicais como o Brasil, onde a agricultura pode ser uma aliada na produção de alimentos e também de qualidade de vida”, conclui a pesquisadora.
Fonte: Embrapa
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